segunda-feira, 1 de novembro de 2010

POEMAS DE MIGUEL TELES

CARRO DE BOI
“Volta Bem-Formado, volta Se-Parece, ôôôa Lenço-Branco, Manda-Quem-Pode ôôôa, meu boi de coice”. A batuta é o ferrão. E lá se vai o carro de boi gemendo sertão adentro a sinfonia dos que não querem ser esquecidos. Adailson da Penha, Isídio, Joilson da Penha, Leobino, Oscar da Boca da Mata, Santinho, Zé de Alípio, Zé de Salu, e tantos outros carreiros – Regentes da Saudade!!!

Talvez por ser do sertão, não da cidade,
Tem certas coisas que pra mim é novidade,
Mas tem tanta coisa sem necessidade
Que só veio trazer complicação...
Talvez por não ter tanta instrução
Quanto ao doutor que estudou na capital
Tenho medo que alguém leve a mal
Esses meus versos, esse meu jeito de falar,
Mas o tal progresso só veio atrapalhar
E esses fabricantes de trator nem dão bola
Se o caboclo perdeu sua alegria,
Se o sertão perdeu metade da poesia,
Mas é que quando um carro de boi gemia
Parecia uma sinfonia
Parecia que alguém pinicava uma viola...


Seu doutor eu posso até acreditar
Que o progresso tenha seu valor
Mas a invenção de um tal de trator
Veio tanta gente desempregar:
Rabiscador, carreiro, chamador...
E quando vejo um carro de boi se acabando
Lá num canto sendo comido pelos cupins
Acredite em Deus, parece que é em mim,
Devido ao tamanho da minha dor.


Aqueles que não sabem o que foi
Um carro ou uma junta de boi
Eu vou dar uma explicação:
Nós trabalhava o ano inteiro
Economizava, juntava dinheiro,
Aí procurava um carpinteiro
Um cabra bom de trabalho
Que ele fizesse ligeiro
Mesa, roda, eixo, cabeçalho.
Devido nossa precisão
Um carro com oito fueiros
Pra carga fazer amarração.

Uma peça comprida e linheira
Que nós chamava tiradeira
Unia do coice a dianteira
Cada canga em seu lugar.
Na canga, um boi de cada lado,
Preso no pescoço pelo canzil
E uma tira de couro macio
Por nós de brocha chamado
Nos dois canzil era amarrado
Pra nenhum boi se soltar.
Prendia a tiradeira ao cabeçalho
E saía pra trabalhar.


Quando o dia amanhecia
E meus bois de carro ia chamar
Os cabelos do braço arrepia
Quando começo a lembrar...
No contra-coice: Letra-fina e Enrolão
No coice: Paraná e Canário
Igual aqueles nunca vi não...
Na hora de parar o carro
Fosse na areia, fosse no barro,
Batia o pé no cabeçalho
E aqueles quatro bois de carro
Virava quatro freio de mão.


Na contra-dianteira: Bandido e Feitiço
Dois bois fortes, bem roliços.
Na dianteira: Deixa-aí e Lindo Amor
Faziam a curva no rastro,
Quando o cabra dava um passo,
Os bois enfiava os cascos,
No rastro do chamador.


Minha junta de bois era uma beleza
A meus vizinho todos servia
Nos enterros era uma tristeza
Nas colheitas era só alegria.
Mas tudo isso se acabou
Depois que trouxeram o trator
Aqui pra nossa freguesia.

LEMBRANÇA CABOCLA

Quem me ver hoje velho e cansado
Pitando cigarro sentado
Na sombra deste umbuzeiro,
De longe nem imagina
Que o meu destino, minha sina,
Foi ser pegador de boi
Deste sertão catingueiro.
Hoje só vivo de lembrança,
Do que fazia desde criança,
Na minha profissão de vaqueiro.


Quando vem a tentação
De remoer meu passado
Vejo um quadro pintado
Bem dentro do meu coração!
Lembro das morenas bonitas,
Com seus vestidos de chita,
Com laço amarelo de fita
Nos cabelos dela amarrado;
Lembro do meu cavalo Melado,
Do meu cachorro Tição,
Das corridas de mourão,
Daquelas noites de festa,
Lembro dos dias de feira,
Das farras, das bebedeiras,
Lembrar... é só o que me resta.

Nos lugares onde passava
Eu era muito respeitado,
Que meu nome ficou afamado,
Nas fazendas do lugar;
Por isso fui tão invejado
Por uns safados, cabras-de-peia,
Que não tinha sangue nas veias,
Que eram ruins na profissão;
E deram pra me caluniar,
Que eu carregava patuá,
Que tinha até parte com o cão.

Bem...
Quiseram me ensinar umas rezas
Que tinha o diabo pelo meio,
Quiseram benzer meus arreios,
Me deram maçã[1] preparada,
Mas nada dessas patacoadas
Eu carregava na algibeira.
Minhas oração costumeira
Era o Pai-Nosso, Sinal da Cruz,
E chamava por Jesus,
Na hora de um boi inrabá.
Que ele me segurasse na sela,
E que as unha-de-gato e favela,
Me dessem a vez de passar.


Hoje estou velho, aposentado,
Com meu corpo todo quebrado,
Dos trompassos que tomei.
Mas tô com dois fio formado:
Um, é médico doutor em gado.
E o outro, defende as leis.

Aqui vivo eu e a muié
Naquela vida de pobre,
Do jeito como Deus quer...
Os menino vem quando pode
Aí nós faz festa, mata um bode,
E quando eles chega com a famia,
Só vendo meus netinho, seu moço,
Enchendo esta casa de alegria.

No demais,
Sem maldizer da sorte,
Tô só esperando a morte
Até o dia que Deus quiser.
Mas se eu pudesse nascer de novo,
Eu e meus dois companheiro
O meu cavalo Melado,
E o meu cachorro Tição
Eu não queria outra profissão
Eu só queria era ser vaqueiro.


Esta poesia é dedicada à memória de dois grandes homens do Pedrão: Meu pai “Seo” Miguel Teles e “Seo” Augusto Nogueira. Se no céu tiver divisão de Fazendas, os dois devem estar por lá discutindo sobre uma cerca de rumo.

Nenhum comentário:

CANTORIA: OS NONATOS

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...