domingo, 13 de janeiro de 2013

Aves e conservação na literatura de cordel



Em 20 de maio de 2011, estive no Viva a Mata, evento organizado anualmente pela Fundação SOS Mata Atlântica para comemorar o Dia Nacional da Mata Atlântica (27 de maio). Circulava pelos estandes de ONGs quando fui abordado pela bióloga Karina Linhares, que trabalha no Projeto Soldadinho-do-araripe. Enquanto ela me apresentava as atividades para a preservação daquela ave (Antilophia bokermanni)e seu ecossistema, conheci também o coordenador do projeto, Weber Girão (foto abaixo) – que, em 1996, com o professor da Universidade Federal de Pernambuco, Galileu Coelho, descobriu a espécie.
Nesse contato, fui surpreendido, entre outras coisas, pelo inusitado uso da literatura de cordel como ferramenta de educação ambiental. Não resisti e pedi para Weber escrever sobre a experiência. Pois aí está… Boa leitura!
Aves e conservação na literatura de cordel
Weber Girão
weber girao petrede Aves e conservação na literatura de cordelA literatura de cordel não nasceu da escrita. Seu berço é a tradição oral, cuja origem não é possível precisar. Ainda hoje, alguns dos maiores expoentes desta arte são analfabetos. O advento da imprensa e sua popularização permitiram não só a preservação dos versos, mas também o aprimoramento da publicação, pois as xilogravuras que servem de capa são um atrativo à parte. Desde a chegada ao Brasil, com os portugueses, esta literatura se mantém mais forte na Região Nordeste.
O cordel é antigo, mas seus motes permanecem atuais. Além dos temas atemporais, como o amor, a morte do terrorista Osama Bin Laden consta entre os assuntos mais recentes. A problemática ambiental, cada vez mais popular, também é pauta frequentemente abordada. Entretanto, enaltecer a natureza não é novidade entre os poetas populares. O próprio nome de grandes mestres já fazia tais homenagens, como no caso de Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, alcunha que compara o poeta cearense ao pássaro de belo canto.
As aves estão presentes em cordéis famosos, como no Romance do Pavão Misterioso, de José Camelo de Melo Rezende, mas um pássaro não menos encantado também tem aparecido em versos de cordel – o soldadinho-do-araripe. Ele é uma espécie ameaçada de extinção e simboliza a conservação da natureza no sul do Ceará, região de onde é endêmico. Sua sobrevivência depende da conservação das águas e das matas, sendo estes os elementos que garantem a qualidade de vida do povo local no meio do sertão árido, tal como um oásis no deserto.
Conheço três cordéis dedicados ao pássaro, mas seu nome é citado em diversos outros. Por trabalhar diretamente com a conservação dessa espécie, e também por admirar a arte popular, resolvi me aventurar neste campo e escrever meu próprio cordel.
Li o que pude para me inspirar e estudei a métrica, mas logo antes e depois do sono é que vinham as melhores passagens. Provavelmente o raciocínio não atrapalhava nessas horas! Meu respeito por quem faz versos de improviso aumentou, mas muito mais pelos poetas que não tiveram a oportunidade do estudo.
Gostei do resultado, mas minha opinião não vale. Adotei um pseudônimo para receber críticas sinceras e já fiz mais outros dois cordéis. Descobri que eles podem ser um meio excelente de sensibilizar as pessoas para a conservação. Ultimamente parei de escrever por medo, pois notei que estava começando a pensar em verso! Ainda bem que próximo ao escritório do Projeto Soldadinho-do-araripe existe uma Associação de Cordelistas.
Pura obra do acaso!
cordel soldadinho do araripe petrede Aves e conservação na literatura de cordel
O cordel…
Soldadinho-do-araripe
Procure no mundo afora
e ainda assim não vai ver
o bicho que vejo agora,
seu canto vai lhe dizer
que só tem no Cariri
e tinha de ser aqui,
um bom lugar de viver
—————————–
Nativo lá da nascente,
a água que vem buscar
reparte com toda gente
se for beber ou banhar,
mas vindo pra poluir,
botar cano e destruir,
as fontes só vão secar.
—————————–
E sendo ave do mato
estava quieta em seu canto,
viu sujo lá no regato
mas não ficou só no pranto,
sentida, foi protestar,
falava ao assobiar.
Jamais ela cantou tanto.
—————————–
Escute o seu “socorro!”
O povo já está ouvindo:
“tu sofre, mas eu que morro
com a água se exaurindo.
Zelando a fauna e a flora
a vida não vai embora,
deixando o mundo bem lindo”.
—————————–
Seu nome e “soldadinho”
trazendo “araripe” ao fim.
Além de ser bonitinho
e branco, preto e carmim.
Defende essa bicharada
que nunca foi respeitada,
também lidera motim.
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Então vamos celebrar,
recado desse profeta,
que veio foi pra falar
notícia clara e correta.
É mais que um passarinho,
e disse foi com carinho
ao povo de mente aberta.
O Projeto Soldadinho-do-araripe
A região do Cariri é conhecida por sua rica cultura e também pela Chapada do Araripe, situada entre os estados brasileiros do Ceará, Pernambuco e Piauí. Este imponente marco geográfico concentra um patrimônio natural reconhecido internacionalmente, sobretudo pelos seus fósseis e pelo soldadinho-do-araripe, um pássaro que simboliza a região e que se encontra ameaçado de extinção global devido ao uso insustentável das águas e devastação florestal.
A Chapada do Araripe é encravada na região mais seca do Brasil, entretanto, sua conformação geológica possibilitou a manutenção de um verdadeiro oásis, composto por floresta e oásis que são o hábitat do pássaro e que beneficiam milhares de pessoas.
Desde sua descoberta, em 1996, o soldadodinho-do-araripe é avaliado em estudos que resultam em ações para sua proteção e do ambiente que ele simboliza. No ano 2000 o pássaro foi mundialmente reconhecido como uma espécie ameaçada de extinção, segundo a entidade BirdLife International. Em 2003 o governo brasileiro também reconheceu a gravidade de sua situação. Desde então, o impacto de sua descoberta para o meio científico passou a ser acompanhado por toda sociedade.
Em 2004 a Organização Não Governamental Aquasis começou a atuar na região do Cariri, incluindo membros que pesquisavam o pássaro desde sua descoberta. Após relevantes avanços na conservação do soldadinho-do-araripe, a Aquasis recebeu a chancela de guardião do pássaro, conferida pela BirdLife International. Em 2009 foi criado um posto avançado na região, nomeado Projeto Soldadinho-do-araripe.

CANTORIA: OS NONATOS

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